Além da falta de ar: sequelas que o coronavírus pode deixar após a cura

Pulmão, rins e outros órgãos podem ficar prejudicados por semanas ou meses depois que a pessoa se recuperou da fase aguda da Covid-19. Veja os sintomas

Nem sempre receber a notícia de que a Covid-19 foi curada significa que a pessoa se recuperou plenamente de todas as complicações do coronavírus. Para uma parcela de acometidos, em especial os casos mais graves, que exigem internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), há risco de sequelas no cérebro, nos rins, nos pulmões e no coração.

“Podemos dizer que saímos da urgência para um quadro com características crônicas, que pede cuidados prolongados de uma equipe multidisciplinar”, aponta Gustavo Prado, pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Prado é autor de uma nota técnica do Ministério da Saúde que trata justamente dos cuidados após a fase aguda da doença.

O pulmão, alvo favorito do Sars-CoV-2, tende a demorar mais para se recuperar. Depois que o vírus vai embora, a inflamação pode persistir por semanas, comprometendo o funcionamento do órgão.

Em casos específicos, a batalha travada no local deixa suas cicatrizes, chamadas de fibroses, que normalmente são irreversíveis (pelo menos para outras infecções respiratórias). Isso ocorre porque o coronavírus deflagra uma inflamação intensa nos alvéolos, estruturas que realizam as trocas gasosas, e no interstício, uma espécie de rede localizada entre o alvéolo e pequenos vasos sanguíneos (os capilares).

“Apesar de ser pouco mencionado, o interstício, quando fica comprometido, está ligado a sequelas como insuficiência respiratória”, aponta Prado.

Esse déficit ocorre em diversos graus. Os sintomas podem ser um cansaço leve, uma redução da resistência na prática de atividades físicas ou alterações em exames.

Já quando pulmão fica mais prejudicado, o tratamento exige fisioterapia. “É possível que 10 a 20% dos entubados evoluam com necessidade permanente de oxigênio”, explica Ludhmilla Hajjar, cardiologista e professora da Universidade de São Paulo (USP).

Sequelas são mais frequentes nos casos graves de Covid-19

Antes de listarmos as outras marcas que podem ser deixadas pela doença, vale destacar alguns pontos. Primeiro: as sequelas mais prolongadas são observadas em pessoas com versões severas da doença, que desenvolvem a tal tempestade inflamatória. Trata-se de uma enxurrada de substâncias que deveriam ajudar na defesa contra o vírus, mas que, em excesso, acabam danificando o organismo.

Segunda observação: ainda não sabemos se os abalos na saúde são permanentes. Afinal, convivemos há poucos meses com a infecção, tempo que muitas vezes não é suficiente para a recuperação completa de uma vítima grave de outras infecções.

Aliás, essa é outra questão: boa parte das consequências do novo coronavírus, inclusive as pulmonares, são semelhantes às deixadas por outras mazelas respiratórias agressivas, que exigem entubação e longos períodos na UTI. Não estamos falando, portanto, só de particularidades dessa pandemia.

É o caso da fraqueza muscular, outra consequência encontrada em pacientes graves de Covid-19. Ora, o tempo acamado resulta em perda de massa magra e dificuldades para realizar movimentos simples, como andar e mesmo comer.

Outra sequela já conhecida de infecções que geram longas internações são os danos neurológicos. Entram na lista déficits de concentração, alterações de apetite, humor e outros. “Nos estudos já publicados sobre o assunto, até um terço dos pacientes mais graves demonstra algum grau de comprometimento mesmo depois de um mês em casa”, aponta Gisele Sampaio, neurologista da Academia Brasileira de Neurologia. “Não sabemos se isso irá se resolver no caso da Covid-19, mas outras doenças que atrapalham a oxigenação do cérebro podem deixar danos cerebrais permanentes”, completa.

Pesquisas anteriores à crise atual mostram, por exemplo, que até 20% dos indivíduos afetados pela Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), uma das complicações que a Covid-19, a gripe e outras infecções podem provocar, apresentam déficits cognitivos até cinco anos depois da alta. Entre eles, além de dificuldade de raciocínio e memória prejudicada, surgem sintomas de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático etc.

Agora, uma chateação que parece ser exclusiva do novo coronavírus é a perda prolongada do olfato. “Mas, na maioria dos casos, o sentido volta semanas depois da resolução do quadro”, diz Prado.

Ameaça do coronavírus ao coração e aos rins

Seja pela inflamação exacerbada ou por um ataque direto do vírus, o peito também pode sofrer no longo prazo. Ainda é cedo para falar de incidência, porém há relatos de insuficiência cardíaca pós-internação por Covid-19. Esse risco aumenta quando há algum transtorno cardiovascular pré-existente.

Quanto aos rins, até 40% das pessoas que vão para a UTI sofrem com insuficiência renal e precisam de hemodiálise durante a internação (máquina que realiza o trabalho de filtragem do sangue). Geralmente, são pelo menos três meses para a recuperação completa.

Quando a Covid-19 vira doença crônica

Dada a complexidade do quadro, os médicos temem que o avanço da pandemia gere uma segunda sobrecarga à saúde pública brasileira: a de cuidados com os recuperados. “Muitos precisarão de reabilitação em longo prazo, com acompanhamento de médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, enfermeiros e outros”, lista Prado.

São atendimentos relativamente simples — no sentido de que não exigem grande infraestrutura física. Ainda assim, podem sobrecarregar as redes públicas e privadas.

Saúde.abril

 

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