Saúde mental: Ansiedade cresce entre jovens e desencadeia outros problemas

Angústia, desespero, agonia, insegurança… essas são algumas maneiras de descrever uma das disfunções mentais que mais têm se popularizado no vocabulário da população brasileira: o Transtorno de Ansiedade. Sentida por mais de 9% dos brasileiros – sendo as mulheres o alvo principal – a doença é sorrateira, negligenciada e facilmente confundida com um “estado de ânimo”.

Sentir-se ansioso para um compromisso, um encontro ou uma entrevista de emprego é algo completamente comum a todos os seres humanos e é saudável desde que ocorra na medida certa. O sentimento, porém, se torna algo crônico – ou aqui, um transtorno – quando passa do ponto e se torna incapacitante, que faz, principalmente, com que o ansioso busque fugir de qualquer situação que lhe coloque em risco. Aos poucos, convites para jantar se transformam em desculpas, falar em público gera uma crise nervosa e aquilo que antes trazia prazer, passa a virar sofrimento. Isso lhe parece comum?

Além disso, em quadros de Transtorno de Ansiedade, o simples sentimento deixa de ser algo interno e se manifesta também externamente, com sintomas físicos e assustadores.

“O paciente sente que está sempre sem ar, ofegante ou com o coração acelerado”

“A principal característica é que a pessoa está sempre preocupada ou ansiosa em todas as áreas da sua vida, e imagina que coisas ruins vão acontecer e que nada vai dar certo para ela”, explica a psicóloga Jullie Muller, que recebe em seu consultório principalmente adolescentes entre 13 e 18 anos, que trazem consigo uma carga muito grande de cobranças e, principalmente, pressão pelo presente e futuro.

E se?

O que vou ser quando crescer? E daqui a um ano? Será que terei os mesmos amigos, que eles vão me aceitar dessa maneira? E minha família, vai se orgulhar das minhas escolhas? Esses e outros milhões de questionamentos passam a rondar a cabeça desses adolescentes que, sem saber para onde correr, inundam a mente de cobranças – muitas vezes induzidos pelos próprios pais.

“Muitas vezes os pais colaboram para que essa ansiedade seja gerada, pois depositam muitas expectativas nos filhos tornando isto evidente. Os filhos, por sua vez, se sentem presos e às vezes não conseguem atingir essas expectativas, isto porque não corresponde àquilo que o próprio filho quer para si. É uma fase delicada”, comenta Jullie, que confirma uma das frases mais ouvidas em seu consultório: ser adolescente é difícil!

E justamente assim aconteceu com a agora universitária, de 22 anos, que preferiu não ser identificada nesta reportagem. Na época, com 15 anos, a jovem percebeu que “fugia” de algumas situações que lhe causavam ansiedade para não enfrentar o sentimento que tanto a atormentava. “Eu deixei de fazer certas coisas, como faltar aula em dia de apresentação de trabalho por conta da ansiedade e do medo de falar em público. Eu estava no Ensino Médio, uma época que para muitos é complicada por causa das cobranças realizadas e do medo de não conseguir alcançá-las”, lembrou.

Ansiosa “desde sempre”, a doença também está ligada, no caso da universitária, com quadros de epilepsia e convulsão – o que dificultou um diagnóstico mais assertivo. “Eu sempre fui muito ansiosa, não sei o que de fato contribuiu. Mas hoje em dia, qualquer coisa que fuja do meu controle eu não consigo resolver, pois a ansiedade é tão forte que as coisas parecem não ter solução”, desabafou a jovem, que costuma realizar exercícios de relaxamento e respiração para combater as crises.

“Ansiedade é só coisa de adolescente!” Será?

Apesar de ter como principal público os adolescentes, a psicóloga Jullie Mueller alerta: a ansiedade não depende de idade, classe social, etnia ou localização geográfica! Porém, um dado da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a doença no Brasil chama a atenção: 7,7% das mulheres sofrem com o transtorno, enquanto entre os homens o número cai para 3,6%. Como exemplo, em um questionário rápido realizado para a produção desta reportagem, 30 pessoas relataram sofrer com a ansiedade, sendo que 26 – a esmagadora maioria – eram mulheres.

Uma dessas “confissões” partiu da professora Silvia Oliveira Santos, de 38 anos, que classificou a ansiedade em uma única palavra: angústia. O mesmo termo foi escolhido por outras 10 pessoas, seguido por desespero (6) e preocupação (2). Outras palavras como “insegurança”, “medo”, “agonia”, “insegurança”, “estresse”, “inferno” e “terror” também foram citados para resumir o Transtorno de Ansiedade por alguns pacientes.

Pesquisa "Resuma a Ansiedade em uma Palavra"Pesquisa “Resuma a Ansiedade em uma Palavra”

Você é ou está ansioso?

Para a professora – e mãe de um menino de quatro anos – ser ansioso é encarado principalmente como uma característica e não como uma doença, o que, muitas vezes, dificulta a busca por tratamento especializado. “Na adolescência isso se tornou uma característica minha, a Sílvia é assim. Então eu fui entender que eu estava com uma doença já adulta, com mais de 25 anos, trabalhando, independente, dona do meu nariz. Até então eu era aquela que era ansiosa por esperar, por ter taquicardia, suador, por ter tudo… mas achar que isso não era uma doença mental”, relembra.

Desta forma, a ansiedade só foi vista como uma doença para a educadora quando atingiu um nível mais avançado, desencadeando outras disfunções mentais como a Depressão, a Síndrome do Pânico e o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). “Eu via a ansiedade como uma forma difícil de lidar com sentimentos, não como doença. E tudo isso desencadeou de uma maneira muito ligeira, muito rápida. Eu já estava trabalhando, era professora, tinha uma vida muito agitada e de uma hora para a outra comecei a desenvolver as crises de pânico junto com tudo que eu já sentia”, desabafou ao citar, também, os demais sintomas que começou a sentir, como uma angústia extrema.

Após buscar ajuda especializada e começar um tratamento com medicamentos, Silvia chegou a um problema comum quando o assunto é doença mental: o abandono do tratamento quando os sintomas desaparecem. “Quando eu tive um tratamento psiquiátrico que aliviou [os sintomas], eu logo na sequência encerrei. Ele, obviamente, não era para ser encerrado, então o resultado é como algo que foi adormecido e continuou crescendo, crescendo. Quando voltou, voltou ainda pior. Aí eu já era mãe, eu já tinha um filho, já era uma mulher com outras obrigações”, confessou.

E é aí que a doença ganha uma característica muito peculiar: ela é sorrateira.

“O problema da doença mental é o fato de que ela é intermitente. Ela sossega em um determinado momento e quando você pensa que está tratando aquilo para uma cura, descobre que na verdade está controlando”

“Eu não me sinto uma pessoa curada, eu me sinto uma pessoa em vigilância”, garantiu Silvia, que disse ter encontrado na psicoterapia um completo eficaz aos medicamentos. “Eu acho que se eu não tivesse tido também a terapia, eu voltaria para o ciclo viciosa de melhora e daqui a pouco ela volta. As crises de ansiedade eram alimentadas por essa falsa sensação de que o tratamento por alguns meses resolveria tudo”.

Ansiedade e redes sociais

Entre cliques, likes, compartilhamentos e uma busca incessável por novidades, as redes sociais também acabam aparecendo como vilãs para os ansiosos. Uma pesquisa realizada em 2017 pela instituição de saúde pública do Reino Unido, a Royal Society for Public Health, em parceria com o Movimento de Saúde Jovem, apontou que o Instagram é a rede que mais traz sentimentos negativos para seus usuários, como ansiedade, solidão e uma sensação de “inconformismo” com a sua própria imagem.

Pesquisa realizada pela Royal Society for Public Health. (Infográfico: Louise Fiala/Massa News)Pesquisa realizada pela Royal Society for Public Health. (Infográfico: Louise Fiala/Massa News)

De acordo com o levantamento, as fotos compartilhadas pelos usuários no Instagram aumentam o medo dos jovens – com idade entre 14 e 24 anos – de ficar por fora dos acontecimentos e das tendências, além de impactar de forma negativa no sono. A queixa em relação à rede social também aparece constantemente no consultório de Jullie, principalmente por fomentar uma comparação entre a vida que é publicada no Instagram, e a que é, de fato, vivida.

“Essa é uma ferramenta onde as pessoas publicam muito sobre a própria vida, mas escondem os momentos tristes. Eu costumo dizer que a grama do vizinho sempre é mais verde que a nossa, mas às vezes essa grama pode ser falsa também”, comentou a psicóloga.

De acordo com Jullie, muitos pacientes passam a se comparar com amigos ou pessoas que seguem no Instagram, por exemplo, e esquecem de buscar os próprios objetivos. “A frase mais comum é ‘eu não me importo com rede social, mas eu acho que não é justo fulano postar foto de que está viajando, fazendo isso ou aquilo, sendo que eu me dedico mais, trabalho mais e nunca consigo alcançar aquilo que o outro tem’. Isso justifica o fato de que as pessoas estão sempre buscando ter alguma coisa que elas não sabem o que é”, disse. Neste momento, de acordo com a psicóloga, o importante é traçar suas metas e olhar para si mesmo. “Se a gente se apega ao que o outro tem, a quantidade de likes, a pessoa passa a viver em função disso e esquece da vida pessoal. Sempre oriento a ver qual é realmente sua essência”, concluiu.

A importância de uma válvula de escape

Livros, exercício físico, uma nova ocupação, atividades ao ar livre… muitas são as opções de hobbies que os ansiosos acabam descobrindo para escapar das crises ou, ao menos, diminuir sua frequência. Para a professora Silvia, a válvula de escape para o quadro foi justamente a prática de atividade física, considerada um divisor de águas. “Eu hoje pratico corrida, pilates, que são atividades que me dão prazer, que eu gosto de fazer. Senti que quando eu parei, eu me tornava predisposta a ter crises. Hoje eu não vejo o exercício físico como algo para o meu corpo, mais sim para a minha saúde mental”, garantiu.

E as crianças?

Um ponto levantado pela educadora foi a necessidade de dar mais atenção à saúde mental das crianças, que muitas vezes passam despercebidas.

“Na minha infância não se falava em doença mental, se falava em alguém doido, lunático. Isso é muito sério”

“Acredito que se a gente trata isso preventivamente e atentamente desde a infância, vamos ter no futuro adultos muito menos depressivos, auto destruidores e mais felizes, capacitados para viver, produzir e realizar durante vida. Queremos filhos que comam bem, que aprendam, mas mentalmente olhamos pouco para isso”, alertou.

Por fim, Silvia lembrou da importância de se sentir acolhido por aqueles que ama e, claro, de buscar ajuda especializada. “É importante não ser tratado como o ‘enlouquecido’, pois doença mental não é loucura. A ansiedade é muito silenciosa, quando ela se manifesta externamente é porque já avançou para um estágio muito grande. É importante lembrar que amigo não é psicólogo, mas é quem vai te conduzir até um profissional”.

Fonte: Massa News

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