‘Pulmão de pipoca’: como o cigarro eletrônico pode marcar seus pulmões para sempre

Foi relatado recentemente que um adolescente americano desenvolveu a estranha condição médica “pulmão de pipoca” após fumar cigarros eletrônicos em segredo por três anos. Oficialmente conhecida como bronquiolite obliterante, a doença é rara, grave e irreversível, que danifica as pequenas vias aéreas dos pulmões, causando tosse persistente, chiado no peito, fadiga e falta de ar.

O termo “pulmão de pipoca” surgiu no início dos anos 2000, quando vários trabalhadores de uma fábrica de pipoca de micro-ondas desenvolveram problemas pulmonares após inalar uma substância química chamada diacetil — o mesmo ingrediente usado para dar à pipoca seu sabor rico e amanteigado.

Diacetil, ou 2,3-butanodiona, é um agente aromatizante que se torna um inalante tóxico quando aerossolizado. Causa inflamação e cicatrização nos bronquíolos (os menores ramos dos pulmões), dificultando cada vez mais a passagem do ar. O resultado: danos pulmonares permanentes, muitas vezes incapacitantes.

Embora o diacetil seja a causa mais frequente, o pulmão de pipoca também pode ser desencadeado pela inalação de outros produtos químicos tóxicos, incluindo carbonilas voláteis, como formaldeído e acetaldeído — ambos também detectados em vapores de cigarros eletrônicos.

A parte mais assustadora? Não há cura para o pulmão de pipoca. Uma vez que os pulmões estejam danificados, o tratamento se limita ao controle dos sintomas. Isso pode incluir broncodilatadores, esteroides e, em casos extremos, transplante de pulmão. Por esse motivo, a prevenção – e não o tratamento – é a melhor e única defesa.

E, no entanto, para os jovens que vaporizam, a prevenção não é tão simples.

A armadilha do vaping

A vaporização é especialmente popular entre adolescentes e jovens adultos, possivelmente devido aos milhares de produtos de vaporização com sabores disponíveis — por exemplo, chiclete, algodão-doce e picolé de manga. Mas esses sabores frutados e semelhantes às balas têm um custo químico.

Os e-líquidos podem conter nicotina e um coquetel químico criado para atrair os usuários. Muitos desses agentes aromatizantes são aprovados para uso em alimentos. Isso não significa que sejam seguros para inalação.

Eis a razão pela qual isso importa: quando ingeridos, os produtos químicos passam pelo sistema digestivo e são processados ​​pelo fígado antes de entrarem na corrente sanguínea. Essa jornada reduz seus potenciais danos. Mas, quando inalados, eles ignoram completamente esse sistema de filtragem. E vão direto para os pulmões – de lá, seguem diretamente para a corrente sanguínea, atingindo órgãos vitais como o coração e o cérebro em segundos.

Foi isso que tornou os casos originais da fábrica de pipoca tão trágicos. Comer pipoca com sabor de manteiga? Totalmente aceitável. Inalar o produto químico amanteigado? Devastador.

A complexidade química da vaporização

Com a vaporização, a situação é ainda mais nebulosa. Especialistas estimam que existam mais de 180 agentes aromatizantes diferentes usados ​​em cigarros eletrônicos atualmente. Quando aquecidos, muitos desses produtos químicos se decompõem em novos compostos – alguns dos quais nunca foram testados quanto à segurança por inalação. Essa é uma grande preocupação.

O diacetil, embora removido de alguns produtos de vaporização, ainda é encontrado em outros. E seus substitutos – acetoína e 2,3-pentanodiona – podem ser igualmente prejudiciais. Mesmo que o diacetil não seja o único culpado, a exposição cumulativa a múltiplos produtos químicos e seus subprodutos pode aumentar o risco de pneumonia e outras doenças respiratórias.

Isso foi tragicamente ecoado na história da adolescente americana que desenvolveu a doença. Seu caso lembra a crise Evali de 2019 (lesão pulmonar associada ao uso de cigarros eletrônicos ou vaporizadores), que causou 68 mortes e mais de 2.800 hospitalizações nos EUA. Esse surto acabou sendo associado ao acetato de vitamina E – um agente espessante em alguns vaporizadores de cannabis. Quando aquecido, ele produz um gás altamente tóxico chamado ceteno.

Estudos mais recentes estão alertando sobre o impacto da vaporização na saúde respiratória dos jovens. Um estudo multinacional constatou que adolescentes que usam vaping relatam significativamente mais sintomas respiratórios, mesmo quando ajustados para o status de tabagismo. Certos tipos de sabores, sais de nicotina e frequência de uso foram associados a esses sintomas.

Então, o que tudo isso significa?

É evidente que a história está se repetindo. Assim como as regras de segurança no local de trabalho foram reformuladas para proteger os trabalhadores das fábricas de pipoca, agora precisamos de uma urgência regulatória semelhante para a indústria de vaporizadores – especialmente quando se trata de proteger a próxima geração.

Aprendendo com o passado, protegendo o futuro

Pipoca e cigarro eletrônico podem parecer mundos completamente diferentes, mas estão conectados por um fio condutor: a exposição a substâncias químicas inaladas que nunca foram feitas para os pulmões. O perigo não está no que essas substâncias químicas são quando ingeridas, mas no que se transformam quando aquecidas e inaladas.

Se aplicarmos as lições da segurança industrial aos hábitos atuais de vaporização – especialmente entre os jovens – poderemos evitar a repetição dos mesmos erros. Regulamentações, rotulagem clara, testes de ingredientes mais rigorosos e campanhas educativas podem ajudar a minimizar os riscos.

Até lá, histórias como a da adolescente americana servem como lembretes poderosos de que o vaping, apesar dos seus sabores frutados e designs elegantes, tem consequências. Às vezes, o que parece inofensivo pode causar danos que duram a vida toda.

*Donal O’Shea é professor de Química na Universidade de Medicina e Ciências da Saúde RCSI. Gerry McElvaney é professor de Medicina na Universidade de Medicina e Ciências da Saúde RCSI

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