Carne de Cabeça em Linguiça, papelão em lotes de Frango, Carnes vencidas são alguns dos esquemas desmantelados pela PF

 

Gravações telefônicas obtidas pela Polícia Federal apontam que vários frigoríficos do país vendiam carne estragada tanto no mercado externo, quanto para exportação. Diretores e donos das empresas estariam envolvidos diretamente nas fraudes, que contavam com a ajuda de servidores do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no Paraná, Goiás e Minas Gerais.

As gravações foram divulgadas após a deflagração da Operação Carne Fraca, nesta sexta-feira (17). Nelas, segundo a PF, é possível identificar as práticas ilegais cometidas pelas empresas. Entre produtos químicos e produtos fora da validade, há casos ainda mais “curiosos”, como a inserção de papelão em lotes de frango.

O caso envolve grandes empresas, como a BRF e a JBS, mas também frigoríficos menores, como o Peccin, do Paraná. Em um dos áudios gravados com autorização judicial, um dos donos da empresa, Idair Antônio Piccin, conversa com a mulher dele, Nair Klein Piccin, sobre o uso de carne proibida em lotes de linguiça. Os dois tiveram pedidos de prisão preventiva decretada pela Justiça.

Idair – Você ligou?
Nair – Eu, sim eu liguei. Sabe aquele de cima lá, de xanxerê?
Idair – É.
Nair – Ele quer te mandar 2000 quilos de carne de cabeça. Conhece carne de cabeça?
Idair – É de cabeça de porco, sei o que que é. E daí?
Nair – Ele vendia a 5, mas daí ele deixa a 4,80 para você conhecer, para fechar carga
Idair – Tá bom, mas vamos usar no que?
Nair – Não sei
Idair – Aí que vem a pergunta né? Vamo usar na calabresa , mas aí, é massa fina é? A calabresa já está saturada de massa fina. É pura massa fina
Nair – 
Idair – Vamos botar no que?
Nair – Não vamos pegar então?
Idair – Ah, manda vir 2000 quilos e botamos na linguiça ali, frescal, moída fina
Nair – Na linguiça?
Idair – Mas é proibido usar carne de cabeça na linguiça
Nair – Tá, seria só 2000 quilos para fechar a carga. Depois da outra vez dá para pegar um pouco de toucinho, mas por enquanto ainda tem toucinho (ininteligível)

Em outro áudio, Paulo Rogério Sposito, dono do Frigorífico Larissa, de Mauá, em São Paulo, orienta um funcionário a trocar as etiquetas das datas de validade dos produtos. Segundo a polícia, os dois aparentam se aproveitar da ausência do fiscal do Mapa, citado como “filho da p*”, que está de folga. Sposito também é alvo de um dos mandados de prisão preventiva da operação.

Funcionário: Paulinho…
Paulo: Eu…
Funcionário: Deixa eu te falar uma coisa… Podia programar pra semana que vem, a gente trazer aquela mercadoria lá pra trocar as etiquetas né meu véi…
Paulo: Pode…pode sim
Funcionário: Já que num vai ter…né…já que nós vamo tá parado aqui.
Paulo: Primeira carreta que voltar de são paulo vazia passar lá e pega.
Funcionário: É isso aí… Ai nós já arruma…tem o que? Duas carreta lá ainda?
Paulo: De verdade eu não sei quanto tem lá no estoque não
Funcionário – (…) Nós já arrumava tudo aquele trem, deixava no jeito. O homem tá de férias né. Num ta aqui..
Paulo – Ah , esse filho da p* tá de férias é?
Funcionário – Agora era…hora boa de nós…
Paulo – Agora era…

 

Produtos químicos eram usados para ‘maquiar’ carnes vencidas, diz polícia

Frigoríficos investigados na Operação Carne Fraca usavam produtos químicos para “maquiar” carne vencida. As empresas também injetavam água para aumentar o peso dos produtos e, em alguns casos, foi constatada ainda falta de proteína na carne. Os detalhes foram passados pelo delegado da Polícia Federal Maurício Moscardi Grillo em coletiva de imprensa nesta sexta-feira (17).

“Eles usavam ácidos e outros produtos químicos para poder maquiar o aspecto físico do alimento. Usam determinados produtos cancerígenos em alguns casos para poder maquiar as características físicas do produto estragado, o cheiro”, disse Moscardi.

No caso da falta de proteína, o delegado explicou que havia substituição. “Foi trocada por fécula de mandioca ou proteína da soja, que é muito mais barata, mais fácil de substituir.”

O delegado afirmou que nem mesmo os fiscais envolvidos, que costumavam ganhar carnes dos proprietários como benefício, estavam aguentando a má qualidade dos produtos. “Eles comentavam entre si que não estava mais dando para receber”, disse.

Esquema
A operação apura o envolvimento de fiscais do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento em um esquema de liberação de licenças e fiscalização irregular de frigoríficos.

Em dois anos de investigação, detectou-se que funcionários de Superintêndencias Regionais de Paraná, Minas Gerais e Goiás recebiam propina para facilitar a produção de alimentos adulterados, emitindo certificados sanitários sem qualquer fiscalização efetiva. Alguns dos funcionários estão entre os detidos na operação.

Foram investigadas grandes empresas do setor, como a BRF Brasil, que controla marcas como Sadia e Perdigão, e também a JBS, que detém Friboi, Seara, Swift, entre outras marcas. Também há envolvimento, segundo a PF, de frigoríficos menores, como Mastercarnes, Souza Ramos e Peccin, do Paraná, e Larissa, que tem unidades no Paraná e em São Paulo.

Em nota, a JBS afirmou que houve ação da Carne Fraca em três unidades produtivas da companhia, sendo duas delas no Paraná e uma em Goiás. Na unidade da Lapa (PR), houve uma medida judicial expedida contra um médico veterinário, funcionário da JBS, cedido ao Ministério da Agricultura.

Segundo a empresa, não há nenhuma medida judicial contra executivos da JBS, e a sede não foi alvo da operação. “A JBS e suas subsidiárias atuam em absoluto cumprimento de todas as normas regulatórias em relação à produção e a comercialização de alimentos no país e no exterior e apoia as ações que visam punir o descumprimento de tais normas”, diz a nota.

Escutas
Gravações telefônicas apontam que frigoríficos vendiam carne vencida tanto no mercado interno, quanto para exportação.

Dinheiro foi apreendido com Gil Bueno, superintendente regional do Mapa (Foto: Arquivo Pessoal)Dinheiro foi apreendido com Gil Bueno, superintendente regional do Mapa (Foto: Arquivo Pessoal)

Segundo as investigações, o esquema no Paraná era comandado pelo ex-superintendente regional do ministério, Daniel Gonçalves Filho, e pela chefe do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), Maria do Rocio Nascimento, que trabalham em Curitiba. A reportagem tenta contato com os citados pela Polícia Federal.

Na casa do atual superintendente regional do Ministério da Agricultura, Gil Bueno, a polícia apreendeu R$ 65 mil nesta manhã. Os três são alvos de prisão preventiva.

Em sua decisão, o juiz federal Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal de Curitiba, diz que o envolvimento do Ministério da Agricultura é “estarrecedor”. “(O ministério) foi tomado de assalto – em ambos os sentidos da palavra – por um grupo de indivíduos que traem reiteramente a obrigação de efetivamente servir à coletividade”, afirmou.

De acordo com informações da PF, a investigação começou porque um fiscal não aceitou ser transferido de cidade após denunciar Maria do Rocio ao sindicato por assédio moral. Ele se queixou de remoções de funcionário que seriam feitas para atender aos interesses das empresas.

Em Goiás, a PF afirma que o esquema operava de forma parecida com o paranaense e era liderado pelo chefe do Dipoa, Dinis Lourenço da Silva. O G1 entrou em contato com o ministério e aguarda retorno.

Fonte: G1

 

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