Advogada é barrada no TJ-RO após ter roupa considerada inadequada

Para a OAB, ação dos seguranças causou constrangimento à advogada. TJ-RO afirma que vai apurar os fatos.

O Poder Judiciário em Rondônia determinou, nesta quarta-feira (1º), a apuração do caso envolvendo uma advogada que foi impedida de entrar no Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) na semana passada, em Porto Velho. Na ocasião, funcionários do TJ-RO consideraram a vestimenta da advogada Eduarda Meyka Ramires como “inadequada”.

A decisão de instaurar uma apuração ocorreu após a repercussão negativa do caso nas redes sociais. Nesta semana, comissões da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestaram-se contrárias ao tratamento dado à Eduarda, de 26 anos.

A Seccional da OAB em Rondônia afirmou que tomou conhecimento do fato na última terça-feira (30). Segundo o órgão, servidores do TJ-RO tentaram impedir a entrada da advogada nas dependências do Tribunal em razão da roupa.

No entanto, a OAB esclarece que, mesmo os funcionários agindo com base em um código de vestimenta, previsto em instrução normativa, a ação causou constrangimento público à advogada.

Barramento

Segundo a OAB-RO, o caso aconteceu na última sexta-feira (26) logo no início do expediente, com o local cheio de pessoas que presenciaram o “imenso desconforto a advogada”. O órgão afirma, ainda, que a ação gerou “olhares maldosos e comentários”, constrangendo a profissional.

Para contestar a atitude dos funcionários do TJ-RO, a OAB ressaltou, em nota publicada em seu site, que “a vestimenta profissional da advocacia feminina não tem por padrão o uso de terno e gravata nem nada similar, cabendo somente a OAB esta normativa”. O órgão completa a defesa afirmando que qualquer outra imposição normativa configura “violação da independência funcional do advogado”.

A OAB cita que a Instrução n. 14/2017, que trata do controle de acesso às unidades do Poder Judiciário em Rondônia, não pode ser usada como justificativa para a atitude dos profissionais. A Ordem afirma, ainda, que é de sua competência disciplinar questões de vestimenta em espaço forense, conforme previsto no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Por fim, a OAB-RO afirma que, não apenas a advogada, mas toda mulher, enquanto cidadã, têm o direito de “se vestir livremente sem se sentir em perigo ou ter seus direitos mitigados em razão de suas escolhas de vestimenta”.

Sobre providências, a OAB Rondônia afirma que irá reforçar ao TJ-RO, um Pedido de Providências (PP), propondo revisões nas vistorias que resultam em situações vexatórias e abusivas pelas quais as mulheres e advogadas passam diariamente nas unidades judiciárias do estado.

‘Constrangimento’

O G1 entrou em contato com a advogada Eduarda Meyka Ramires, de 26 anos. Segundo ela, a abordagem dos funcionários da portaria do TJ-RO foi brusca e inesperada.

“Sem nenhuma sensibilidade, falaram alto e em meio a todos que estavam no saguão de entrada do TJ. Os dois funcionários perguntaram se eu estava indo a algum gabinete. Nesse momento eu previ, pela abordagem e olhares, que iriam me recriminar por algo. Respondi que estava indo assistir à uma sessão – na qual eu tinha dois processos a serem julgados. Foi então que um deles questionou se eu teria uma blusa. Contestei ironicamente falando que sim e que, inclusive, eu estava usando. A abordagem foi abrupta”, descreve Eduarda.

A advogada relata, ainda, que a atitude dos seguranças se seguiu, chamando a atenção das pessoas que estavam presentes no local.

“Ele perguntou se eu tinha uma blusa para me cobrir. Respondi que não. Foi quando ele falou que eu estava ‘com tudo pra fora’. Ele repetiu isso umas três vezes. Todo mundo olhou, pois do jeito que foi falado, parecia que eu estava desnuda. Como eu estava de calça comprida, ele só poderia estar falando da minha blusa. Quando desci para falar com um deles [segurança] ouvi que estava com as costas toda para fora”, relata a advogada.

Eduarda relata que não é a primeira vez que passa por constrangimentos durante o exercício da profissão, mas que, desta vez, o caso ganhou muita repercussão entre os colegas de profissão.

“Eu não tive reação. Por mais que eu seja mulher e tenha passado por vários tipos de constrangimentos e já tenha reagido a várias outras situações, isso que aconteceu foi inédito. Publiquei o caso nas redes sociais e foi quando comecei a receber todo o apoio da Ordem. Imediatamente comecei a receber várias mensagens de apoio de advogados e do Conselho Federal da OAB e uma ligação da presidente da OAB Mulher Nacional que me confortou muito”, afirma Eduarda.

A advogada diz também que chegou a receber mensagens de outras mulheres que relataram ter sofrido com ações do tipo, dentro de tribunais de justiça no estado.

“Recebi o relato de uma mulher que só conseguiu entrar no TJ para falar com o presidente usando um blazer emprestado por um dos seguranças. Isso é humilhante. Sei o quanto é difícil denunciar, pois, às vezes, a advogada é contratada, é servidora, é mãe que tem medo de perder o emprego”, diz.

Ao G1, Eduarda ainda diz: “a gente que está nessa luta sente que vai perdendo toda vez um pouco da dignidade. O mérito não é ter acontecido comigo, o mérito mesmo é uma portaria machista e subjetiva. Nos vestimos diferente dos homens. A mulher pode usar o que ela quiser, o homem que tem que aprender que ele não pode fazer o que quiser e constranger a gente [mulheres]. Não é a roupa que define se somos seres dignos de respeito ou não”, desabafa.

O que diz o TJ-RO?

O TJ-RO comunicou, através de nota, que já determinou uma imediata apuração dos fatos noticiados pela OAB-RO. Segundo o Tribunal, a apuração tem como objetivo esclarecer os fatos ocorrido na última sexta-feira (26) e “coibir abusos na seleção de indumentária adequada ao ingresso em suas dependências”.

O TJ-RO esclareceu, ainda, que adota a norma de controle de acesso às suas instalações com base nas orientações regulamentares do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).

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