Amputação, Hemodiálise e Infecções: Médico com COVID-19 está há mais de 115 dias na UTI

Reumatologista Renaud Frazão, de 79 anos, deu entrada no hospital em Santa Catarina no dia 13 de abril; não há previsão de alta devido a uma série de sequelas deixadas pela doença, como a falência pulmonar

Já são mais de 115 dias internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) desde que o reumatologista Renaud Pimentel Frazão Filho, de 79 anos, deu entrada em um hospital privado de Blumenau, em Santa Catarina, acometido pela Covid-19. No período, acumulou amputações, infecções, sessões de hemodiálise – tratamento que exerce a função de um rim. As sequelas deixadas pelo coronavírus impedem o médico de receber alta. E sequer há uma previsão para isso.

Renaud ingressou no Hospital Santa Catarina no dia 13 de abril após apresentar sintomas gripais e falta de ar. Os exames confirmaram que ele havia sido contaminado pelo vírus que já matou mais de 100 mil brasileiros. Em menos de 24 horas, precisou ser intubado e, no dia seguinte, entrou em coma induzido. Começava ali uma via crucis em que a vida do médico esteve em risco repetidas vezes.

Logo de início, foram mais de 20 dias sedado. Os rins passaram a falhar e uma trombose – formação de coágulos sanguíneos nas veias – se desenvolveu. Diabético, o reumatologista ainda foi atingido por infecções de três tipos: pulmonar, urinária e outra na corrente sanguínea.

“O estado dele era gravíssimo. A gente não sabia se ele ia morrer hoje, amanhã ou no dia seguinte. Estava instável, era o pior de todos os pacientes”, disse a filha Monica Frazão, em entrevista a ÉPOCA.

Monica viajou ao Rio de Janeiro no início do ano para o aniversário da neta. Ela e o pai se mudaram para Florianópolis em 2017 após a morte da mãe, vítima de um câncer fulminante. Desde então, visita familiares na capital fluminense quando pode. Sem a companhia de Renaud dessa vez, que preferiu ficar em Santa Catarina, só voltou a vê-lo presencialmente com mais de 70 dias de internação. Ela obteve autorização dos médicos, que temiam a morte do paciente.

“Fiquei muito mal. Cansei de entrar em UTI com meu pai como médico, salvando vidas, e o vi naquela situação horrível. Estava em um estado decrépito, todo cheio de tubo, de acesso. As pernas dele ficaram pretas como carvão por causa da trombose. Foi traumatizante ver meu pai naquela situação”, afirmou. ” Era hemodiálise todo dia, transfusão de sangue, temperatura baixava, tinha muita hipotermia. Um sofrimento que a gente não tem noção”.

Para piorar, coube a Monica dar o aval para que os médicos amputassem parte dos pés e dedos da mão do reumatologista que, segundo ela, sempre foi avesso ao procedimento.

“Autorizei com o coração apertado. Meu pai nunca foi a favor de amputação, ele é reumatologista, sempre preservou. Não entrava na minha cabeça meu pai sem pé”, disse.

Segundo o superintendente-médico do Hospital Santa Catarina, Humberto Tridapalli, o procedimento era inevitável, uma vez que as articulações apresentaram gangrena – morte e putrefação de várias células. Isso porque a forte medicação para controlar a Covid-19, em alguns casos, pode provocar reações contundentes.

“Durante a fase aguda da Covid-19, a pressão cai a nível crítico, e a gente precisa usar uma série de medicamentos para levantar a pressão. A articulação periférica, mãos e pés, é a que mais sofre com a falta de circulação. Acabam apresentando um processo de gangrena e, por isso, precisou de amputação por inviabilidade de alguns dedos da mão e do pé”, explicou.

Monica pôde rever o pai no dia 10 de julho, data de seu aniversário. Na ocasião, o hospital decorou o leito com balões de festa e permitiu que a filha e uma das netas de Renaud o visitassem paramentadas. Foi o último contato da família com o reumatologista até hoje. Ele não tem previsão de deixar a unidade.

Apesar de curado da Covid-19, Renaud desenvolveu várias sequelas que requerem um aparato para auxiliá-lo. Além de cadeira de rodas, o reumatologista ficará dependente de um respirador e terá de se submeter a sessões frequentes de hemodiálise, devido à falência renal. Questões burocráticas envolvendo o convênio de saúde também retardam a liberação.

“Ele teve uma tuberculose no passado, já tinha o pulmão esquerdo com uma destruição por causa da doença. E agora, com a Covid-19, teve uma série de sequelas no pulmão. Com isso, tem tido uma extrema dificuldade de ficar fora do respirador. Passa um ou dois dias e volta a se cansar”, conta Tridapalli.

De acordo com o superintendente-médico, o paciente está há mais de três meses fazendo fisioterapia e não evoluiu, motivo pelo qual acreditam que ele chegou a seu limite e vai depender de um aparelho em casa.

“O transtorno fez com que o rim dele não funcionasse mais eficientemente. Então, ele vai precisar de hemodiálise para se manter. É um processo mais simples, que eu posso fazer no quarto, na clínica, até dentro de casa. Já a parte pulmonar é um pouco mais complexa, porque preciso disso 24 horas”, explicou.

Não é possível precisar se Renaud é o paciente que contraiu Covid-19 e e está internado há mais tempo em uma UTI no país ou em seu estado. Ao menos no Hospital Santa Catarina, os médicos não viram algo igual. Independente das condições de vida que o reumatologista terá daqui em diante, ele já é considerado um vencedor.

“Nossos outros pacientes que se recuperaram já saíram e os que chegaram ao nível dele, com amputação de extremidades, todos foram a óbito. Ele é um baita sobrevivente nessa história”, afirmou Tridapalli.

época.globo

 

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